Relator da ONU critica impunidade por crimes da ditadura no Brasil

Bernard Duhaime alerta para cultura de impunidade e cobra revisão da Lei da Anistia em relatório que será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos
O relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, Bernard Duhaime, encerrou nesta segunda-feira (7) uma visita de uma semana ao Brasil. O enviado especial está preparando um relatório sobre a forma como o Estado brasileiro tem lidado com os crimes cometidos durante a ditadura civil-militar (1964-1985). O documento será apresentado em setembro ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Em entrevista à imprensa no Rio de Janeiro, Duhaime demonstrou preocupação com a persistência da impunidade, principalmente após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, que validou a Lei da Anistia (Lei 6.638/79) como abrangente até mesmo para violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado.
“Essa decisão abriu as portas para a impunidade. A ausência de consequências legais para abusos passados reforçou uma cultura de impunidade e estabeleceu condições para a repetição”, declarou o relator.
Duhaime sugeriu que, em 2025, o Brasil deveria revisitar a Lei da Anistia, para que ela esteja em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Apesar de reconhecer avanços, como a restituição de direitos políticos a pessoas perseguidas, ele considera que o perdão legal a torturadores e outros agentes públicos envolvidos em crimes graves compromete a Justiça de transição.
Violência estatal persiste
Durante sua visita, o relator da ONU ouviu relatos de execuções extrajudiciais, tortura, detenções arbitrárias e abusos policiais em diversas regiões. Para ele, essas práticas — ainda recorrentes — revelam a permanência da violência estatal como legado da ditadura.
“Execuções sumárias e outras violações continuam em níveis alarmantes, especialmente contra povos indígenas, comunidades camponesas e pessoas negras. A responsabilização por tais crimes é rara, o que perpetua o ciclo de abusos”, alertou.
Duhaime lamentou que a reforma institucional de órgãos envolvidos em crimes durante o regime militar não tenha sido prioridade na transição democrática do Brasil. Ele reforçou que a reforma dessas estruturas é um princípio essencial para evitar que a violência se repita.
Locais de memória e negacionismo
Outro ponto de preocupação levantado pelo relator foi a falta de preservação de locais históricos ligados às violações da ditadura, como os antigos centros de repressão DOI-Codi (São Paulo), Dops (Rio de Janeiro) e a Casa da Morte (Petrópolis).
“Endosso totalmente as demandas da sociedade civil para que esses lugares sejam transformados em espaços de memória, sob jurisdição civil”, afirmou Duhaime, que também criticou o negacionismo histórico e a glorificação da ditadura por parte de setores políticos e sociais.
Ele finalizou destacando que acompanhará de perto os julgamentos de acusados pela tentativa de golpe de Estado entre 2022 e 2023, ressaltando a importância da responsabilização para a democracia brasileira.